É tão estranho quando passa. Quando
aquele sentimento de que eu nunca ia achar alguém igual a você passa.
Quando aquela agonia nada bonita no peito, que até chega a inspirar ou a
despertar sérios motivos pra terapia, passa. Porque
na troca desse sentimento meio triste, meio sozinho, de gostar de quem
não gosta da gente, de sentir por quem recusou claramente ou por
acidente, na troca disso tudo e no meio do turbilhão, a coisa para. Fica
um buraco. Um buraco com tampa e um vazio diferente. Um vazio novo que a
gente ainda não se acostumou, que tinha alguma coisa que preenchia
antes e agora não tem, mas também não dói. É o vazio do que passou. E do
nada eu percebo que você já não me incomoda tanto assim, que eu consigo
acordar e passar por você sem ter um aperto, sem me sentir perdido, sem
ter nó na garganta e uma crise de alergia pra disfarçar as mãos suando e
o efeito da sua presença. Do nada passa e é tão estranho quando passa…
Eu achei que você nunca fosse passar. A
gente sempre acha que vai demorar muito, ou que a atenção nunca mais vai
desviar o foco de você, ou que a gente nunca vai conseguir mais engolir
a saliva que fica presa na garganta em todas as vezes que você aparece
com alguém, mas passa. Daí fica a saudade. Sabe aquela saudade gostosa
que persiste, que a gente usa pra tentar sentir de novo enquanto faz
todos aqueles testes de reação pra ver se você ainda incomoda? Saudade
estranha essa. Nem é boa, nem é ruim. É persistente. Acho que é pra dar
algum conforto nesse nó no peito que se desfez.
E há os que não conseguem desapegar
dessa dor, desse sofrer-que-ainda-não-passou e guardam isso pra sempre.
Porque se não bastasse perder – ou nem ter ganhado – você, agora eu
também perco o nó que você me deu. Como se isso fosse uma companhia
compensatória. Sofrer demais é amar pra quem precisa preencher algum
vazio qualquer, mesmo que as formas não se encaixem e sempre sobre mais
vazio dos outros lados. O vazio transborda. E essa gente um dia vai
aprender que precisa deixar passar. Aprende também que, quando passa, a
gente tem que ser forte também pra reconhecer que já foi. Bola pra
frente. História nova quando a gente esbarrar por alguém que vai ficar
ou passar também. Porque se a gente se apega… Ah, acaba num ciclo
infinito. Dor-do-que-não-passou trocada por saudades de sentir dor. Tem
gente que acha isso melhor do que cantar Socorro e imitar o Arnaldo
Antunes. Eu prefiro acreditar que não.
Mas agora, falando especificamente de
você, de você ter passado, e de eu nem ter percebido a despedida, foi um
estranho-bom. Foi bom porque a gente sempre acha que vai precisar de
alguém pra ocupar o lugar e nem sempre é assim. Um dia desses a gente
acorda e pronto, você passou. Um dia desses a gente nem se lembra mais
do seu telefone. Dia desses a gente se esquece até dos seus gestos e
acaba arrumando o armário sem dó nem piedade. Ah, tudo passa. Você
passou e muita gente ainda vai passar. Eu mesmo já devo ter passado pra
tanta gente e pra tanta gente que ainda nem esbarrou comigo ainda. Você
passou e eu tô deixando você ir de vez. Sem me agarrar ao falso conforto
da saudade que fica. Vai, pode ir, foi bom enquanto durou, mas eu já
não preciso mais. Passou, passado. E fica até engraçado o jeito que a
gente se pega vendo que o apego não tinha o menor fundamento e que tudo
que a gente fez foi meio imbecil. Mas não foi em vão. Eu precisava ter
feito de tudo, ter ouvido de tudo, ter comido de tudo, ter chorado de
tudo, ter rido de tudo e mais um pouco pra você passar.
Pra essa gente que ainda não passou,
espera um pouco. Um dia desses a coisa muda. Abre um vinho e põe pra
tocar alguma música. De preferência alguma boa. “Você passa, eu acho
graça. Nessa vida tudo passa e você também passou”. Cantarola e beberica
comigo, baixinho ou no volume que achar necessário. “Dentre as flores,
você era a mais bela, minha rosa amarela, que desfolhou, perdeu a cor”. E
quando passar, deixa passar tudo de vez sem fechar a porta no meio do
caminho.
Acredita em mim. Um dia passa. Comigo passou.
*Texto originalmente publicado em Entre Todas As Coisas